A
melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, que é uma pequena
glândula localizada na região central do cérebro, no meio dos dois hemisférios
cerebrais. A melatonina age, sobretudo no próprio cérebro, sendo responsável
pelo controle dos ciclos de sono e vigília.
À
noite, quando está escuro, a produção de melatonina aumenta, induzindo o
cérebro a sentir sono. Durante o dia, quando está claro, a secreção de
melatonina reduz-se, fazendo com que fiquemos mais despertos. A simples
exposição à luz durante a noite ou ao escuro durante o dia pode alterar o ritmo
de produção da melatonina, motivo pelo qual esse hormônio ganhou a singela
alcunha de “hormônio Drácula”.
A
ação natural da melatonina sobre a indução do sono inspirou a criação de formas
sintéticas do hormônio, cujo objetivo seria criar um fármaco que ajudasse a
combater a insônia sem provocar os efeitos colaterais dos medicamentos
habitualmente utilizados para esse fim, nomeadamente os benzodiazepínicos
(exemplos: Zolpidem, Estazolam, Lorazepam, Triazolam, Clonazepam e outros).
No
Brasil, a melatonina tem estado no centro de uma grande polêmica, pois apesar
da sua comercialização não ser autorizada pela ANVISA, ela tem se tornado cada
vez mais popular, principalmente pela ampla divulgação que a substância tem
tido nos meios de comunicação de massa. Divulgação essa que é feita
frequentemente de modo sensacionalista e com pouco critério científico.
Neste
artigo vamos fazer uma revisão da atual literatura científica sobre a
melatonina. Vamos esclarecer as seguintes questões:
O
que é a melatonina natural?
A
melatonina sintética realmente funciona para tratar a insônia?
A
melatonina sintética tem efeitos colaterais?
Existem
interesses escusos por trás da proibição da comercialização da melatonina no
Brasil?
Neste
artigo vamos falar especificamente da melatonina. Se você procura informações
sobre a insônia, acesse o seguinte link: INSÔNIA – Causas e Tratamento.
COMO
FUNCIONA A MELATONINA NATURAL
Como
já explicado na introdução deste artigo, a melatonina é um hormônio produzido
no cérebro que é responsável pelo controle do ritmo circadiano do nosso
organismo. O ritmo circadiano é o nosso relógio interno de 24 horas, que
determina o ritmo dos processo biológicos do nosso organismo ao longo de um dia
inteiro (controla, entre outros, a temperatura corporal, a secreção de
hormônios e a pressão arterial). O ritmo circadiano desempenha um papel crítico
na definição de quando vamos adormecer e quando vamos acordar.
A
produção de melatonina começa a se elevar ao entardecer, atingindo o seu pico
entre as 23h e as 3h da manhã. Após o pico, os níveis de melatonina caem
rapidamente, preparando o organismo para acordar no início da manhã. Ao redor
das 8h-9h da manhã, os níveis de melatonina encontram-se no seu valor mínimo e
assim permanecerão até o início da tarde.
É
sempre importante destacar que a melatonina tem um importante papel no controle
do ciclo sono-vigília, mas não é o único fator que controla o momento no qual
sentimos sono. Nem todo mundo com insônia tem deficiência de melatonina.
A
melatonina é produzida a partir do triptofano, um aminoácido presente em
diversos alimentos, tais como laticínios, carnes, amendoim, ovos, ervilha, etc.
Não há evidências científicas, porém, de que o consumo de alimentos ricos em
triptofano aumente os níveis sanguíneos de melatonina ou que ajudem no
tratamento da insônia. Da mesma forma, o consumo de alimentos ricos em
melatonina, como vinho, frutas, cereais e azeite, também não apresenta
evidências sólidas de que possa ser útil na indução do sono.
SITUAÇÕES
QUE PODEM INTERFERIR COM A PRODUÇÃO NATURAL DE MELATONINA
Diversas
situações podem interferir no ciclo natural da melatonina, incluindo trabalho
noturno, jet lag, idade avançada, exposição frequente à luz artificial durante
a noite, problemas de visão, etc.
Vamos
explicar sucintamente algumas dessas situações:
1-
Idade
A
secreção de melatonina pela glândula pineal varia significativamente com a
idade. No ser humano, a melatonina começa a ser secretada ao redor do 4º mês de
vida, coincidindo com a consolidação do sono no período da noite. A partir
desta idade, a capacidade de secreção noturna de melatonina aumenta
rapidamente, atingindo um pico entre as idades de 1 e 3 anos. A partir de
então, a produção desce ligeiramente, estabilizando-se num patamar que persiste
durante toda a vida adulta.
Conforme
envelhecemos, a secreção noturna de melatonina começa a sofrer um declínio. Uma
pessoa de 70 anos, apresenta níveis noturnos de melatonina cerca de 75% mais
baixos que durante sua juventude. Esta queda costuma ocorrer pela calcificação
progressiva da glândula pineal, que vai tornando-se cada vez menos capaz de
secretar o hormônio.
2-
Influência da luz
A
secreção noturna de melatonina pode ser inibida pela exposição à luz durante a
noite, mesmo em pequena intensidade, principalmente se as pupilas estiverem
dilatadas.
Estudos
mostram que o comprimimento de onda entre 446 e 447 nm, que é percebido por nós
como luz azul, é o tipo de luz que mais suprime a secreção de melatonina. Esse
comprimento de onda de luz é muito comum nas luzes LED e nos aparelhos
eletrônicos, tais como e-books, tablets, computadores, smartphones, etc.
Por
conta desse fato, muitas pessoas têm adquirido óculos com lentes de coloração
laranja, que ajudam a bloquear a luz azul, reduzindo, assim, o efeito
inibitório das luzes artificias sobre a secreção noturna de melatonina. Apesar
de ser uma solução aceitável, as lentes laranjas bloqueiam também outros
comprimentos de onda, que não só o azul, tornando-se um pouco desconfortáveis
para serem usados em ambientes com baixa iluminação. Uma alternativa mais cara,
porém mais efetiva, é adquirir óculos com lentes que filtram exclusivamente os
comprimentos de onda azul, que têm maior ação sobre a secreção da melatonina.
Uma
opção também eficaz é comprar luzes de cor vermelha para iluminação noturna,
pois o vermelho faz parte do comprimento de onda que parece ser o que menos
inibe a produção de melatonina. Todavia, assim como os óculos laranjas, não é
muito confortável usar luzes vermelhas como fonte de iluminação noturna.
3-
Medicamentos
Alguns
fármacos e substâncias podem inibir a produção da melatonina. O mais conhecido
é o propranolol, que é um medicamento da classe dos beta-bloqueadores, muito
usado para o tratamento da hipertensão e de problemas cardíacos. A cafeína e o
álcool também são substâncias que interferem com a secreção da melatonina.
4-
Cegueira
Pessoas
cegas que não conseguem detectar a presença da luz do dia podem ter uma
produção de melatonina desregulada. Quanto mais grave é a deficiência visual,
maior é o risco de transtornos do sono.
MELATONINA
SINTÉTICA
A
melatonina sintética, ou seja, a melatonina artificial criada em laboratórios,
foi desenvolvida como uma potencial forma de tratar a insônia, servindo como
alternativa mais econômica e com menos efeitos colaterais que os medicamentos
habitualmente utilizados para esse fim.
Assim
como a melatonina natural, a melatonina vendida comercialmente apresenta dois
efeitos: ajuda na indução do sono e na sua manutenção durante a noite. A
melatonina também serve para regularizar o sono nos trabalhadores noturnos, que
precisam dormir de dia.
Inicialmente
vendida como suplemento alimentar em boa parte do mundo, a melatonina
rapidamente se tornou popular e passou a ser uma rentável fonte de lucro para
as empresas que a produziam. Porém, como a melatonina era tratada pelas
entidades reguladoras como um simples suplemento alimentar, e não como um
medicamento, a falta de uma rigorosa fiscalização sobre o produto acabou
gerando diversos problemas, tais como contaminação de amostras, comprimidos com
doses excessivas (mais elevadas do que a descrita na embalagem), falta de
controle sobre as doses indicadas, falsa propaganda em relação aos seus reais
benefícios, dissimulação em relação à sua origem sintética (vender como natural
um produto produzido em laboratório), adição de outras substâncias de forma
oculta na fórmula, etc.
Como
não era encarada como remédio, o fabricante não precisava comprovar
cientificamente sua eficácia contra nenhuma doença, nem mesmo contra a insônia,
principal indicação da melatonina. Não demorou para que o forma sintética do
hormônio ganhasse ares de substância milagrosa, passando a ser tratada como
solução para diversos problemas, como depressão, Parkinson, envelhecimento e
até como tratamento do câncer ou HIV.
Por
conta dos abusos, a partir da década de 2000 vários países, incluindo os
integrantes da União europeia, passaram a tratar a melatonina como droga,
exigindo estudos científicos sobre eficácia e segurança, além de proibir sua
comercialização sem prescrição médica. Nos EUA, entretanto, a melatonina
continua sendo tratada como suplemento alimentar, podendo ser adquirida
livremente.
Falaremos
sobre a proibição da comercialização da melatonina no Brasil ao final deste
artigo.
COMO
TOMAR A MELATONINA
Existem
atualmente duas formas diferentes de melatonina:
Melatonina
sintética de rápida ação (forma mais comum) ou de liberação prolongada.
Análogos
da melatonina: Ramelteon e Tasimelteon.
Melatonina
A
melatonina pode ser encontrada em diversas dosagens: 1 mg, 2 mg, 3 mg, 5 mg ou
10 mg.
A
dose de melatonina capaz de simular a produção natural do hormônio é de 0,3 a
0,5 mg por dia. Como a dose comercializada mais baixa é de 1 mg, o mais
indicado é que no início do tratamento o paciente tome meio comprimido de 1 mg
30 minutos antes de ir para a cama. Se não houver resultado, a dose pode ser
aumentada progressivamente até 3 a 5 mg por dia (na maioria dos casos, a dose
até 1 mg é mais do que suficiente).
Alguns
fabricantes sugerem desde o início doses bem mais elevadas do hormônio, tais
como 5 ou 10 mg por dia. Com essas doses, porém, os níveis de melatonina no
sangue chegam a ficar até 60 vezes acima dos valores de melatonina natural.
Estas doses não têm nenhuma evidência de serem mais efetivas e ainda causam um
aumento na incidência de efeitos colaterais.
A
dose recomendada da melatonina de ação prolongada é de 2 mg, que deve ser
tomada 1 ou 2 horas antes de ir para cama.
Para
aliviar os efeitos do jet lag, a dose sugerida é de 3 mg na noite da chegada ao
novo destino, mantendo o medicamento por mais 2 a 5 noites, conforme desejado.
As formas de liberação rápida parecem ser mais efetivas que as de liberação
lenta.
Análogos
da melatonina
Os
análogos de melatonina são substâncias que não são a melatonina, mas agem nos
receptores cerebrais da melatonina, exercendo efeitos semelhantes, porém mais
intensos. O Ramelteon e Tasimelteon são dois análogos da melatonina
comercializados nos EUA, mas cuja venda não foi autorizada na União europeia
por falta de comprovação científica em relação à sua eficácia.
Não
existem estudos clínicos comparando a ação da melatonina com a do Ramelteon ou
do Tasimelteon.
EVIDÊNCIAS
CIENTÍFICAS DA MELATONINA
Os
estudos científicos controlados sobre a melatonina apresentam resultados
contraditórios. Este fato se deve porque nem todo tipo de insônia responde ao
tratamento com melatonina e nem toda insônia é provocada por uma deficiência na
produção de melatonina.
Há
muitos estudos que não conseguiram provar que a melatonina é superior ao
placebo no tratamento da insônia crônica. Outros mostraram que a melatonina
reduz em apenas cerca de 7 minutos o
tempo que o paciente leva para pegar no sono em comparação com o placebo.
As
situações nas quais os estudos têm demonstrado que a melatonina funciona melhor
que o placebo são:
Tratamento
dos efeitos do jet lag.
Síndrome
do atraso das fases do sono – que é um tipo de distúrbio do sono que faz com
que o paciente demore muito para dormir (geralmente depois de 1 ou 2 da manhã)
e no dia seguinte tenha dificuldade de acordar e ser produtivo na parte da
manhã.
Insônia
em pacientes com níveis mais baixos de melatonina noturna.
Regularização
do sono para pessoas que trabalham de madrugada e precisam dormir de dia.
Regularização
do sono para pessoas com deficiência visual.
Apesar
de não ser a droga milagrosa contra a insônia que os meios de comunicação
frequentemente propagam, a melatonina é uma boa opção de tratamento, já que em
doses baixas o risco de efeitos colaterais é pequeno e, mesmo quando a
reposição de melatonina não é a melhor opção de tratamento, o seu efeito
placebo acaba sendo suficiente para muitos pacientes.
EFEITOS
COLATERAIS DA MELATONINA
A
melatonina é uma substância com baixa incidência de efeitos colaterais. Quando
estes ocorrem, a causa habitualmente é a utilização de doses elevadas (acima de
3 mg) ou pela presença de substâncias ocultas na fórmula.
Entre
os efeitos colaterais mais relatados podemos citar: dor de cabeça, sono
fragmentado, aumento da incidência de pesadelo, tontura, náuseas, sensação de
estar dopado, sonolência durante o dia e elevação dos níveis do hormônio
prolactina.
Há
relatos de casos de crise convulsiva em crianças que tomaram doses elevadas de
melatonina.
A
melatonina vendida na Europa é um medicamento com produção mais controlada que
a vendida nos EUA, sendo a versão mais segura de ser consumida.
MELATONINA
NO BRASIL – POR QUE A ANVISA PROÍBE SUA COMERCIALIZAÇÃO?
Cada
vez mais popular no Brasil, a venda da melatonina é proibida pela Anvisa.
Apesar da intensa gritaria nas redes sociais contra a entidade reguladora, o
motivo da proibição é simples: até hoje nenhuma empresa brasileira entrou com
processo na Anvisa solicitando registro e autorização para poder comercializar
o produto. Portanto, não se trata de um veto à melatonina em si. Não é que a
substância seja proibida, apenas não existem empresas autorizadas para produzir
e vender em território brasileiro. Pacientes com receita médica podem solicitar
importação da melatonina sem nenhum problema.
Ainda
segundo a Anvisa, somente após o pedido de registro por parte de alguma empresa
é que a entidade vai se manifestar especificamente sobre a substância. Como a
posição oficial e pública da Anvisa nunca foi desmentida por nenhuma empresa,
em princípio, não há motivos para acreditar em outras explicações.
Teorias
da conspiração – Existem interesses escusos da indústria farmacêutica por trás
da proibição da melatonina no Brasil?
Uma
das acusações mais comuns nas redes sociais diz que a proibição da melatonina
no Brasil é resultado de intenso lobby da indústria farmacêutica. A
justificativa deste lobby seria o fato da indústria temer a concorrência, pois
sendo a melatonina um hormônio natural, ela não pode ser pateteada e, portanto,
não poderia gerar lucro para a indústria.
A
afirmação acima é falsa em diversos aspectos. Ser um hormônio nada tem a ver
com autorização de patentes. A insulina é um hormônio natural e é umas das
substâncias que mais geram lucro à indústria farmacêutica. O estrogênio e a
progesterona são hormônios naturais e fazem parte da composição das pílulas
anticoncepcionais, uma das maiores histórias de sucesso comercial do mundo. A
levotiroxina é o hormônio que os pacientes com hipotireoidismo precisam comprar
e tomar. Isso para ficar só em três exemplos comuns. Há dezenas de formas de
hormônios vendidas pela indústria farmacêutica.
Uma
outra questão frequentemente ignorada pelos apologistas das teorias da
conspiração contra a indústria farmacêutica é o papel da também bilionária
indústria dos produtos naturais. Suplementos alimentares, fitoterápicos e
outras substâncias ditas naturais fazem parte de uma indústria que movimenta
anualmente mais de 100 bilhões de dólares em todo o mundo. A indústria de
produtos naturais também é um conglomerado que se norteia pelo lucro. É uma
ilusão achar que porque os seus produtos são taxados de “naturais” essa
indústria é mais boazinha ou confiável. Na verdade, ao contrário da indústria
farmacêutica, a indústria de produtos naturais frequentemente consegue emplacar
no mercado produtos de qualidade duvidosa, com escassa comprovação científica e
poucos estudos sobre segurança.
Exigir
que a melatonina passe a ser tratada como medicamento e seja controlada por
entidades reguladoras é uma vantagem para a população. Remédios produzidos pela
indústria farmacêutica passam por estudos e avaliações muito, mas muito mais
criteriosos do que os chamados “suplementos naturais”.
E
do mesmo modo que a indústria farmacêutica tem os seus médicos que são pagos
para divulgar e elogiar os seus produtos, a indústria dos suplementos
alimentares também os tem. Não se deixe enganar, não há mocinhos nessa
história. Esqueça a opinião do médico X ou Y. O que importa não é a opinião de
alguém, mas sim se a substância, seja ela natural ou não, passou pelo crivo dos
estudos clínicos controlados. Ciência se faz com estudos, não com opiniões.
Fonte:
http://www.mdsaude.com/2016/09/melatonina.html
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